DIREITO E PASTORAL

EXCLUSÃO DA SACRAMENTALIDADE DO MATRIMÓNIO

 

 

 

Irmã Federica Dotti

da Comunidade Loyola

Juiz do Tribunal eclesiástico de Braga

 

 

1. A Lei canónica ressalta que «entre batizados não pode haver contrato matrimonial válido que não seja, pelo mesmo facto, sacramento» (can. 1055 § 2).

Também a prática sacramental da Igreja corrobora esta realidade objetiva: «Pelo Batismo, sacramento da fé, o homem e a mulher, uma só vez e para sempre, se inserem na aliança de Cristo com a Igreja, de tal modo que a sua comunhão conjugal seja assumida no amor de Cristo e enriquecida com o valor de seu sacrifício. Desta nova condição se segue que o matrimónio válido entre batizados é sempre um sacramento» (Congregação para o culto divino e a disciplina dos sacramentos, Ordo celebrandi matrimonium, Editio typica altera, 1991, n. 7).

A conformidade deste preceito com a fé católica foi sublinhada por João Paulo II no seu discurso à Rota Romana, a 30 de janeiro de 2003: «quereria hoje chamar a vossa atenção sobre a relação peculiar que o matrimónio dos batizados tem com o mistério de Deus, uma relação que, na Aliança definitiva em Cristo, assume a dignidade de sacramento» (n. 2).

Ora, o facto de que, há uns tempos, haja certa «ignorância entre os contraentes do que comporta, na celebração do matrimónio cristão, a sacramentalidade do mesmo, no seu significado mais profundo, no seu intrínseco valor sobrenatural e nos seus efeitos positivos sobre a vida conjugal» (João Paulo II, Discurso à Rota Romana, 30 de janeiro de 2003, n. 2), não faz com que o consentimento, prestado em tais condições, seja nulo.

 

2. Em linha com os princípios propostos pela Comissão Teológica Internacional em 1977, a fé é pressuposta como causa dispositiva do efeito frutuoso do sacramento; todavia, a validade do sacramento não comporta necessariamente que o matrimónio seja frutuoso.

A condição mínima, para que com o consentimento se receba o sacramento, é querer fazer o que faz a Igreja, e a fé pessoal dos nubentes, de per si, não decide da sacramentalidade do matrimónio. Contudo, diante da realidade dos batizados que não acreditam, a questão é presente já há tempo, particularmente no caso de ausência clara ou de recusa da fé.

Por outro lado, a prática pastoral frequentemente revela que o próprio pedido de matrimónio “pela Igreja” é sinal desta fé: «estes noivos, pela força do seu batismo, estão já realmente inseridos na Aliança nupcial de Cristo com a Igreja e, pela sua reta intenção, acolheram o projeto de Deus sobre o matrimónio, e, portanto, ao menos implicitamente, querem aquilo que a Igreja faz quando celebra o matrimónio. Portanto, o mero facto de neste pedido entrarem motivos de caráter social, não justifica uma eventual recusa da celebração do matrimónio pelos pastores» (João Paulo II, Familiaris Consortio, 22 de novembro de 1981, n. 68), nem uma declaração de nulidade matrimonial.

 

3. A fé é sim um ato pessoal, mas não solitário; é um ato eclesial, porque «a fé da Igreja precede, gera, sustenta e alimenta nossa fé. A Igreja é a mãe de todos os crentes» (Catecismo da Igreja Católica, n. 181).

Considerando tudo isso, o próprio Magistério autêntico destaca que «uma atitude dos noivos que não tenha em conta a dimensão sobrenatural no matrimónio, pode torná-lo nulo unicamente se atenta contra a validade a nível natural no qual é posto o mesmo sinal sacramental» (João Paulo II, Discurso à Rota Romana, 30 de janeiro de 2003, n. 8). Isso pode acontecer se o nubente, por um ato positivo da vontade, exclui absoluta e prevalentemente a realidade do sacramento, em cujo caso há uma rejeição manifesta do próprio matrimónio: quer dizer, a negação de qualquer vínculo que determine obrigações e direitos para com o cônjuge (cf. coram Stankiewicz, 27 de fevereiro de 2004, n. 14: RRD, vol. XCVI, 178). Escusado será dizer que, quem exclui, deve fazê-lo por um ato positivo da vontade, o qual nem de longe se pode aproximar a uma falta de fé.

De resto, muito recentemente o Santo Padre Francisco retomou a questão para «reafirmar com clareza que a qualidade da fé não é condição fundamental do consentimento matrimonial, o qual, segundo a doutrina de sempre, só pode ser minado a nível natural (cf. can. 1055 § 1-2). Com efeito, o habitus fidei é infundido no momento do batismo e continua a ter um influxo misterioso na alma, mesmo quando a fé não foi desenvolvida e psicologicamente parece estar ausente» (Francisco, Discurso à Rota Romana, 22 de janeiro de 2016).

 

 

 


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